Discurso e Mudança Social (Norman Fairclough) Capítulo 3 - Resenha
Ao estabelecer a Teoria Social do Discurso, Fairclough (2001) analisa a tradição saussureana em que o estudo sistemático da língua ocorre sobre o próprio sistema e não sobre o seu uso. E, indica que os sociolinguistas criticam a posição de Saussure por defenderem que o uso da linguagem é moldado socialmente e não individualmente.
Essa discussão nos remete ao uso do termo “discurso” por Fairclough (2001). Ele propõe considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Esta proposta traz implicações: primeiro implica ser o discurso um modo de ação, de agir sobre outros; segundo implica uma relação entre discurso e a estrutura social e implica o discurso ser moldado e restringido pela estrutura social. Assim, o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social. Deve ser visto como um modo de ação, como uma prática que altera o mundo e altera os outros indivíduos no mundo
A significação de um texto é intrínseca as condições sócio-históricas provenientes de sua produção e consumo e estabelece a própria constituição do discurso O discurso contribui para determinar e fixar novas práticas, mas também pode ser entendido como ação social. Fairclough (2001: 91) expõe os efeitos construtivos do discurso, segundo ele: “o discurso contribui para construção de identidades sociais, para a construção de relações sociais entre as pessoas e para a construção de sistemas de conhecimentos e crenças.” Esses efeitos construtivos correspondem a três funções da linguagem e a dimensões de sentidos que o autor denomina de linguagem identitária, relacional e ideacional, e os designa (Fairclough 2001: 92):
"A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso, a função relacional a como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas, a função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos, entidades e relações."
A prática discursiva é constitutiva tanto da maneira convencional como criativa: contribui para reproduzir a sociedade, mas também contribui para transformá-la, segundo ele (Fairclough 2001:92):
“É importante que a relação entre discurso e estrutura social seja considerada como dialética para evitar os erros de ênfase indevida; de um lado, na determinação social do discurso e, de outro na construção social do discurso.”
Na primeira, o discurso é mero reflexo de uma realidade social mais profunda, e na última, o discurso é representado idealizante como fonte social. A estrutura social oscila entre diversas orientações: econômica, política, cultural, ideológica entre outras. O discurso pode estar implicado entre todas e qualquer uma, contudo as práticas econômicas e ideológicas são aqui privilegiadas.
A prática discursiva manifesta-se em forma linguística, textos e a prática social é uma dimensão de evento discursivo. Assim, a análise de um discurso prioriza estabelecer conexões explanatórias entre os modos de organização e interpretação textual, como os textos são produzidos, distribuídos e consumidos e a natureza da prática social.
Fairclough (2001) propõe um método de análise de discurso para verificar as mudanças sociais e como essas mudanças estabelecem mudanças na estrutura social. A Teoria Social do Discurso trabalha com um modelo tridimensional do discurso em que qualquer aspecto textual é elemento significativo na análise do discurso. Esta concepção tridimensional é representada na figura 1:
Figura 1: Concepção Tridimensional do Discurso (Fairclough 2001: 101)
A primeira dimensão é o texto. A análise pode ser organizada em quatro itens: vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual. Para a análise da prática discursiva é proposta a divisão em três partes compostas pela força dos enunciados, a coerência dos textos e a intertextualidade dos textos. Esses elementos reunidos constituem um quadro para análise textual.
A segunda dimensão é prática discursiva. O discurso é uma forma de prática social e, por isso, constituído socialmente e constitutivo da estrutura social. Assim, a natureza dos diferentes tipos de discurso e a inserção dos fatores sociais varia na prática discursiva que envolve o processo de produção, distribuição e consumo textual.
Conforme nos expõe, o processo de produção é realizado de forma particular em contexto social específico e dependendo do contexto social o “produtor textual” é mais complicado do que pode parecer.
O contexto social implicará, também, na forma como o texto será consumido, podendo ser esse consumo individual ou coletivo. Os consumidores, os receptores, os ouvintes e os destinatários do texto são determinantes na distribuição que poderá ocorrer de forma simples ou complexa.
Para o autor a produção de um texto ocorre de forma inconsciente, formatado por estruturas sociais que já estão instaladas e de certa maneira são revestidas política e ideologicamente. Os processos de produção e interpretação são socialmente restringidos: de um lado, pelos recursos internos disponíveis que são as estruturas sociais estabelecidas, de outro, pela natureza específica da prática social na qual o membro está inserido.
Na produção o que é enunciado pelo discurso tem o poder de ratificar, confirmar ou legitimar o que foi dito. Nessa perspectiva, Faiclough (2001) institui o contexto da situação como um dos aspectos sociocognitivo da produção e interpretação. Para interpretar a força de um enunciado considera-se uma inter-relação entre pistas e recursos dos membros.
A terceira dimensão é a prática social. Para o autor, a produção da linguagem como prática social, não só, reproduz as práticas sociais, mas também transforma essas práticas. Nessa concepção, o discurso passa a ser visto como uma ação social com relações de ideologia e poder.
Em relação à ideologia Fairclough considera o conceito de Althusser (apud Fairclough 2001) com algumas restrições no que se refere ao sujeito: a ideologia têm existência material nas práticas das instituições, a ideologia interpela os sujeitos e considera-se os aparelhos ideológicos do estado (instituições) como locais e marcos delimitadores na luta de classe. Essas asserções oferecem espaço para uma análise do discurso orientada ideologicamente.
Para Alhusser, o sujeito é visto como um ser inapto à ação diante da ideologia dominante. É com esta concepção que Faiclough (2001:121) não concorda para ele, a ideologia exagera a constituição do sujeito que não são passivos:
Os sujeitos são posicionados ideologicamente, mas são também capazes de agir criativamente no sentido de realizar suas próprias conexões entre diversas práticas ideologias a que são expostos e de reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras. O equilíbrio entre o sujeito “efeito” ideológico e sujeito agente ativo é uma variável que depende das condições sociais, tal como a estabilidade relativa das relações de dominação.”
Sob essa perspectiva, Faiclough sugeri que a prática discursiva é investida ideologicamente à medida que incorpora significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder.
Em relação ao poder, utiliza a concepção de hegemonia de Gramsci (apud Faiclough 2001) e a concepção da evolução das relações de poder como luta hegemônica. Fairclough (2001: 122) dá a seguinte definição para este processo:
"Hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade. Hegemonia é poder sobre a sociedade como um todo de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais, mas nunca atingido senão parcial e temporariamente, como um ‘equilíbrio instável’. Hegemonia é a construção de alianças e a integração muito mais do que simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu consentimento”.
A concepção de hegemonia centraliza o foco da mudança discursiva e social. Essa relação de dominação explicita as formas econômicas, políticas e ideológicas e as respectivas relações de forças em se fazem presentes os diferentes níveis e domínios das instituições sociais.
A mudança social dá novos rumos aos discursos que precisam estar de acordo com a realidade histórica e cultural do momento em que ocorrem. Ou seja, a mudança discursiva em relação à mudança social estabelece a dialética entre as ordens de discurso e a prática discursiva.
Para se entender o discurso, é preciso conhecer o contexto em que ele está inserido. Como para se entender uma prática discursiva, é preciso que se analisem as mudanças sociais e culturais ocorridas. Para a execução da análise Fairclough (2001:126) posiciona:
“Por um lado, precisamos entender os processos de mudança como ocorrem nos eventos discursivos. Por outro lado, precisamos de uma orientação relativa à maneira como os processos de rearticulação afetam as ordens do discurso.”
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