A Argumentação na Comunicação (Philippe Breton) - Resenha
Breton (2003) situa a argumentação como pertencente à família das ações humanas com a finalidade: de convencer; fazer com que as pessoas compartilhem determinada opinião ou adotem um comportamento específico.
O autor faz uma divisão sobre as maneiras utilizadas para convencer, dividindo-as em: manipulação, propaganda, sedução, argumentação e demonstração. Contudo, o próprio autor diz que essa divisão possui apenas caráter teórico, pois na prática esses modos encontram-se interligados a tal ponto que dificulta ou até mesmo torna impossível a classificação precisa de cada uma delas. Conforme o autor (2003:11)
“Esta separação dos diferentes meios utilizados para convencer é menos simples do que parece, na prática. Uma das características mais importante das ações humanas é, na realidade, além de sua complexidade, o fato de parecerem sempre mobilizar, de maneira indivisível, toda a riqueza das possibilidades. Assim encontramos raramente situações puras de sedução, de demonstração ou de argumentação.”
A publicidade trabalha com os distintos modos de convencimento. O autor atribui a isso o segredo do sucesso que a publicidade moderna alcançou. Os anúncios publicitários trazem em seus textos elementos que proporcionam ao auditório partilhar da ideia vendida.
Isto exposto, Breton (2003:21) situa a argumentação como uma atividade inerente ao homem “Desde quando o homem pratica a argumentação? Estaríamos tentados a dizer: desde que comunica.” Assim, a partir do momento que o homem aprendeu a se comunicar, comparar, se relacionar com o outro e com o mundo que o cerca, desenvolveu também a argumentação que se fundamenta no saber.
O autor discute as práticas argumentativas e as divide em dois tipos: um tipo espontâneo, empírico e um outro tipo objeto de programa de ensino, um saber estruturado. Em relação ao saber sistemático Breton adverte que os estudos dos processos e métodos que tornam a argumentação mais eficaz são relativamente recentes na história da humanidade. Nasce com a Retórica, no século V, antes de Critsto, inicialmente utilizada como raciocínio e manipulação de opiniões e de consciências, porém sempre com a sobreposição do poder ao sentido de ética e opinião.
Com estas características, a retórica assim permaneceu até o final do século XIX. A chegada do cientificismo de então promoveu um novo olhar aos fatos da natureza, às relações humanas e à retórica. Já que esta é intimamente relacionada ao saber que agora busca a verdade não apenas filosófica, mas principalmente, por meio de experimentos práticos.
A retórica desde este período se reafirma como “a arte de convencer”. Discute o autor que os conhecimentos acumulados sobre a retórica também é uma história de “separação progressiva”. De uma lado, a arte de convencer, a estética da palavra, e do outro, a busca pela verdade, sob a forma científica e para definir, circunscrever o campo da argumentação. Breton (2003) relaciona três elementos ditos essenciais para a argumentação, a saber: primeiro argumentar é comunicar; despois argumentar é convencer, porém não a qualquer preço; e por último argumentar é raciocinar.
Ao relacionar estes três elementos com a argumentação, o autor ressalta que argumentar pressupõe o reconhecimento de que a argumentação trata, primeiramente, de uma situação de comunicação, portanto, uma argumentação nunca é universal.
Segundo Breton (2003:26), argumentar é também saber restringir-se em nome de uma ética, propõe então que: “o bom uso da argumentação implica, portanto, uma ruptura com a retórica clássica e com os diferentes meios de persuasão que ela oferece tradicionalmente”. Tudo isto, porque a retórica clássica privilegia a manipulação, o poder, o convencimento, enquanto que a boa argumentação privilegia o debate democrático. É mesmo um jogo envolvendo as artimanhas do convencimento e raciocínio para o embasamento de opiniões que conduzam a adesão do outro.
A ética na argumentação também é vista pelo autor (2003: 35) de uma maneira diferente da retórica, pois segundo ele “a ética é uma necessidade vital para que a argumentação não somente possa existir, como também possa encontrar um caminho autônomo no interior de todas as possibilidades”, e se ela fosse suprida e tivéssemos um “argumentar a qualquer preço”, não teríamos mais uma argumentação, mas sim o convencer da retórica.
Destacando a argumentação como uma situação de comunicação, o autor adverte que ao contrário do esquema do transporte da informação que é linear, a argumentação apresenta outro tipo de esquema, visto que envolve outros níveis explicitados por Breton (2003), tais como:
a) opinião: ponto de vista;
b) orador: argumentador, que tendo uma opinião se encarrega de transmiti-la ao auditório;
c) argumento: opinião ou tese colocada para convencer;
d) auditório: que será convencido pelo orador e
e) contexto de recepção: conjunto de opiniões, valores e juízos que o auditório partilha, ou seja, como o auditório vai aceitar o argumento.
Neste contexto, a argumentação se efetua a partir da opinião do orador: tese, causa, ideia ou ponto de vista. Uma opinião deve ser argumentada adequadamente ao auditório para que seja possível a adesão do auditório à ideia que o argumento pretende defender. O auditório, por sua vez, possui a priori uma opinião que será reavaliada podendo ser ou não ser mudada devido aos argumentos apresentados. A liberdade de mudança de opinião se dará diante do paradoxo argumentativo. Por conseguinte, o argumento incide e transforma a opinião do auditório.
Para Breton (2003) a intervenção nesta liberdade de mudança volta-se tanto à dialética orador/auditório quanto ao aspecto argumento/auditório. A primeira envolve várias estratégias, dentre as quais a delicada manipulação das consciências e a estratégia de sedução atingindo assim a emoção do auditório em detrimento da razão; a segunda age sobre o argumento de forma que o auditório se comprometa.
Tendo em vista que a argumentação se efetua a partir da opinião do orador, esta opinião reflete suas crenças, valores e ideias, em suma: sua identidade social. A opinião é definida por Breton (2003:37) como o “conjunto das crenças, dos valores, das representações do mundo e das confianças que um indivíduo forma para ser ele próprio”. A opinião, embora mutável, distingue-se da certeza ou da fé e três grandes domínios escapam à opinião e se integram na certeza: a ciência, a religião e os sentimentos.
A opinião não é produtora de conhecimentos novos. Esta tarefa cabe ao conhecimento científico que dispõe de métodos passíveis de serem experimentados e comprovados segundo regras pré–estabelecidas, possuindo, pois, status superior à opinião. A opinião necessita do verossímil para ser plausível e fazer alusão à verdade. Ao refletir as crenças do orador, o universo inquestionável da fé, a argumentação não se torna viável. O mesmo se aplica aos sentimentos: fogem à razão.
Ideias se formam entre outras coisas, a partir de informação, ou seja, da representação objetiva do real, sem pressupor pluralidade de pontos de vista. Isso não ocorre com a opinião: há sempre outros pontos de vista possíveis ou mesmo conflitantes. É justamente por esta razão que Breton (2003) indica a coerência como elemento de ligação indispensável entre opinião e argumento, visto que o argumento pressupõe uma diferença entre a opinião do orador e o auditório, livre para escolher sua opinião.
Para o autor o argumento deve ser formulado conforme o auditório, e por isso pode ser apresentado de diversas maneiras. Esta transformação do modo como se apresenta o argumento não implica numa mudança no argumento, mas sim em sua abordagem. Sendo assim, a argumentação difere da retórica. Existem várias maneiras para concretizar e convencer nosso interlocutor, pode-se também afirmar que o processo nem sempre é manipulador do pensamento.
Nesse sentido, de acordo com autor (2003:64), o ato de argumentar, “de comunicar, dirigir-se ao outro, propor-lhe boas razões para ser convencido a partilhar de uma opinião”, é considerado como um ato complexo cuja dinâmica sugere ao orador:
- mobilizar sua opinião isolando-a provisoriamente do contexto na qual ela é produzida;
- identificar o seu auditório;
- identificar o contexto no qual seu argumento será recebido;
- encaixar sua opinião em outros argumentos;
- intervir no contexto de recepção do auditório para modificá-lo a fim de abrir um lugar para sua opinião utilizando argumentos de enquadramento e
- ligar a opinião proposta ao contexto de recepção, assim modificado e utilizando argumentos de ligação ou vínculo.
Breton (2003) propõe que os pontos essenciais da estratégia argumentativa são a busca por um acordo prévio entre o orador e o auditório e o vínculo tecido a partir deste acordo estabelecido. O primeiro objetivo de um argumento é modificar o contexto de recepção do auditório. A modificação do contexto de recepção se dá a partir da construção de um real comum entre o orador e o auditório e da construção de um vínculo entre este real comum e a opinião proposta. Nessa perspectiva, o autor apresenta três tipos de argumentos para o enquadramento do real: a afirmação pela autoridade, o apelo à pressupostos comuns e reenquadramento do real.
A afirmação pela autoridade. O argumento de autoridade é a primeira categoria de argumentos. É nela que é formada a opinião proposta. A autoridade vai se dividir em uma autoridade baseada em um saber que dá uma competência ampla e um testemunho. Assim, existem três tipos de raciocínio de autoridade: pela competência, pela experiência, pelo testemunho e cada um coloca a seu modo a questão da confiança.
O apelo à pressupostos comuns constiui grupos de argumentos amplamente utilizados. Provoca uma “efeito de comunidade” que os transformam em grupos de argumentos muito conservadores. Os principais tipos de pressupostos comuns são: as opiniões comuns, os valores e os pontos de vista.
O renquadramento do real. Ao contrário do enquadramento do real, que implica em uma retomada de mundo, de valores comuns, que serve imediatamente de pontos de referências, o reenquadramento do real implica em uma novidade, um deslocamento, um novo olhar. Um reenquadramento só vai existir se for colocado num quadro conceitual das pessoas que desejam modificar os seus valores. O argumento de reenquadramento são classificados em três categorias: a definição, a apresentação e a associação-dissociação.
Os argumentos de enquadramento, para Breton (2003), não são suficientes para convencer, são a primeira etapa do processo, a etapa que permite estabelecer um acordo prévio com o auditório. É preciso então ligar este enquadramento à opinião proposta, é a ocasião de utilizar os argumentos de ligação, de vínculo. E na construção do vínculo com o real comum estabelecido, os argumentos utilizados são: argumentos analógicos (de comparação, de exemplo e metáfora) e argumentos dedutivos (quase lógicos, de reciprocidade e causais).
No final de seu texto, Breton (2003:176) adverte que a aceitação de um argumento não é sem consequência para o auditório, implica em uma mudança gradativa na integralidade da pessoa. O autor alerta ainda que:
“a argumentação não pode ser reduzida a uma técnica e necessita de pilares éticos: a liberdade de aderir à opinião proposta, a autenticidade dos argumentos usados e a relatividade das ideias que defendemos, que são, no final das contas, apenas opiniões.”
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